23/01/2016

O passeio turístico pela cidade que virou uma viagem de carona com rumo desconhecido

Era um dia de sábado - mais especificamente o sábado passado -, quando eu e uma amiga que está me hospedando aqui em Ipatinga, MG resolvemos dar uma volta pela cidade. Um pouco de passeio turístico pra sair de casa, sabe? Eu estou hospedado desde quarta-feira na casa dela, passando maior parte do meu tempo estudando coisas na internet.

Passeio turístico em Ipatinga - Parque Ipanema


Pois bem, subimos num ônibus e Ana, a amiga que está me hospedando, me levou ao Parque Ipanema. Um parque bem bonito do centro da cidade, onde já estive antes mas sempre vale a pena ir de novo. Sobretudo pra poder sair de casa e se assar um pouco no calor dessa cidade.

Sem muito rumo, compramos um chup-chup e pegamos caminhos do parque que não conhecíamos. Passamos debaixo de uma pontezinha e fomos seguindo o rio, até que olhei pra trás e me dei conta que aquela pontezinha era uma rodovia. Achei meio familiar.

- Ana, aquilo é a BR?
- Sim.
- Pra onde vai?
- Não sei.

Uns segundos pensando e caminhando até a BR pra ver se havia alguma placa. Nenhuma placa dizia nome de próximas cidades. Me veio uma ideia.

A ideia repentina de fazer uma viagemzinha.. Pra onde mesmo?


- Que tal se a gente pede uma carona ali e vai com o motorista, seja lá pra onde for. - perguntei. - A gente pode chegar na próxima cidade que seja, e pegar outra carona de volta.

Ana por 1 segundo pensou o que responderia, porque afinal de contas havíamos saído de casa nada preparados pra pegar estrada. Ainda por cima, Ana estava vestindo shorts curtos e camiseta, um combo de roupas que ela sempre evita quando está pedindo carona. Mas saiu uma negociação:




- Não sei pra onde esse lado da BR leva, mas acho que o lado de lá leva pra Coronel Fabriciano. Que tal se tentamos do lado de lá? - perguntou.
- Hun.. pode ser. A gente pode tentar carona desse lado aqui por 10 minutos, se ninguém parar a gente vai pro lado de lá. Que tal?
- Tá bom.

Passaram-se 10 minutos e Ana começou a ficar incomodada com o fato de que ainda ninguém havia parado pra dar-nos uma carona e começou a considerar aquela uma missão que a gente ia concluir sim. Caminhamos uns metros pra tentar melhorar nossa posição e onde os carros nos vissem melhor. Uns 10 minutos mais e alguém parou.

Nossa primeira carona destino desconhecido


- Pra onde vocês vão?
- Até a próxima cidade. Qual é a próxima cidade?

Motorista respondeu algum nome e subimos no carro. Aquele sentido da BR leva rumo a Governador Valadares, descobrimos. Resolvemos que iríamos pra Valadares. O motorista nos deixou num local onde achou que seria fácil conseguir uma carona.

- Obrigado pela carona!
- Por nada, boa sorte pra vocês!




Gravei um vídeo rapidinho ao descermos nesse lugar, e depois de 2 minutos um caminhão parou. E parou tão repentinamente que quase causou um acidente com outro caminhão que vinha logo atrás.

- Valadares? - perguntei
- Sim. - respondeu

A segunda carona e o caminhoneiro que nos levou a Governador Valadares


Subimos. Ele nos afirmou que deu a carona pra ter com quem conversar, pra não dar sono. Eu tinha bastante perguntas pra fazer, mas não vou estender esse texto ainda mais contando tudo. Um fato interessante, porém, foi ele em algum momento nos contar sua indignação com o preconceito e desvalorização que os caminhoneiros são tratados no Brasil. Uns quilômetros à frente, passávamos por uma família que caminhava pela beira da BR, quando ele apertou a buzina e se divertiu com o pulo que um menino deu devido ao susto que tomou. Logo após fazer isso, Ana contou em tom de piada que uma vez quando estava também na beira da estrada, o mesmo aconteceu com ela e um amigo. Seu amigo tomou um susto tão grande que quase pulou no colo dela, e logo depois ele ficou super irritado com aquilo. O motorista riu, e concordou que ouvir uma buzina de um caminhão passando rápido e tão próximo de você numa BR dá um puta susto mesmo.

- Que sacanagem. - comentei sério, mas num tom de quem fala algo só por falar.

Umas dezenas de quilômetros mais, havia uma jovem caminhando pela estrada, e o motorista de novo esperou passar ao lado dela e deu aquela buzinada. "Esse cara deve ter alguma lógica muito atrapalhada na cabeça dele", pensei. Ele riu e comentou a reação de susto da pessoa.

- Porque você fez isso? - Perguntei sério como alguém que não pretende começar uma discussão. Eu só estava tentando ouvir uma resposta que talvez fizesse sentido na qual eu não havia pensado como possibilidade - algo como "Eu a conheço, eu a estava cumprimentando mas ela se assustou com a buzina".

O motorista terminou de rir e não respondeu nada. Ótimo, ele provavelmente seguiu com a opinião dele de que é divertido assustar pessoas com sua buzina, e eu provavelmente expressei minha opinião de maneira indireta através do meu questionamento e incômodo. Sem discussão nem ninguém querer impôr que o outro mude, mas causando o pensamento sobre aquele tipo de atitude. Se ele pensou e chegou à decisão de que ele deve continuar fazendo isso, beleza. Na minha cabeça voltou aquela indignação que ele havia expressado mais cedo contra o preconceito contra caminhoneiros no país.

....

Nosso passeio turístico por Ipatinga termina sendo em outra cidade


Chegamos a Valadares. O caminhoneiro dirigiu uns quilômetros mais à frente pra nos deixar um pouquinho mais próximos do centro, já que havíamos dito que nosso transporte até o centro seria caminhada mesmo. Ótimo! :)




No caminho, como eu já morei na cidade anos atrás, aos poucos fui tendo a sensação de que o shopping da cidade não estaria muito longe. Pedimos informação pra um menino que passava de bicicleta e pra alguns outros pedestres, e fomos rumo a curtir o ar-condicionado do shopping enquanto usamos a WiFi e tomamos água do bebedouro de lá. A surpresa ao chegar lá foi que não haviam mais bebedouros, pois os haviam tirado do shopping com receio de contaminarem seus clientes com a água. Água essa que vem do Rio Doce, rio que sofreu há pouco tempo contaminação de minérios após um acidente na região de Marina, aqui em Minas.

Pouco tempo usando a internet ali do shopping e consegui falar com a Clarice, uma amiga da cidade. Clarice logo veio nos encontrar no shopping, e nos levou pra tomar umas cervejas em bares pela cidade.

Nossa noite não planejada, em outra cidade


Ana e eu não tínhamos onde dormir. Eu havia conversado com Clarice uns dias antes e ela me convidava pra vir pra cidade, porém não teria onde me hospedar porque está vivendo com sua mãe. Agora eu estava na cidade, sem onde ficar, e acompanhado de uma pessoa inda por cima! A hospedagem precisaria ser pra dois.

Conversas e cervejas vão e vêm, e Clarice disse que não nos deixaria dormir na rua. A gente tava de boa com essa possibilidade, mas conseguir uma cama pra dormir onde não precisaríamos nos preocupar com assaltos nem nada do tipo não foi nada mal. :) Expliquei que eu costumo não aguentar bebendo até muito tarde, e ela disse que não havia problema e podíamos ir cedo pra casa.




Pelas 2:00 da madrugada eu já estava meio cansado e fomos pra casa. Se dependesse das duas eu acho que tomaríamos mais várias cervejas, bateríamos bastante papo até talvez o bar fechar e até nos mandarem ir embora. Mas eu realmente não estava com energia pra isso, e por minha sorte nenhuma delas tinha uma vontade tão grande de ficar naquele bar que atropelasse a minha vontade de ir dormir.



No dia seguinte, almoçamos junto com a mãe da Clarice e combinei de fazermos um passeio com uma outra amiga à tarde.

Nosso passeio turístico em Governador Valadares


Fazia um calor e tanto, e às 14h essa outra amiga já estava tocando a campainha e nos levando até um tal novo parque natural da cidade, na base da Pedra do Ibituruna (ponto turístico da cidade). Lani, essa amiga que nos levou ao parque, estava acompanhada de um amigo seu. Fazia muito (muito!) calor.




Sugeri pra Ana que ficássemos mais uma noite na cidade e voltássemos pra Ipatinga no dia seguinte. Ela até considerou a ideia, mas disse que preferiria que voltássemos aquele dia mesmo pra Ipatinga e que combinássemos de voltar a GV um pouco mais preparados uns dias depois, trazendo roupas, coisas pra higiene pessoal, etc.

Ana e eu temos nos descoberto ótimas companhias um pro outro. Sempre que um de nós tem alguma ideia, a gente fala pro outro e é sincero sobre nossos sentimentos, ao mesmo tempo que ouvimos os sentimentos/vontades do outro sem resistência alguma.

Curtimos o parque por um tempo, tiramos foto, e Lani nos deu uma carona até algum lugar onde pudéssemos pedir carona para voltarmos pra Ipatinga. Usamos a sombra de umas árvores pra nos proteger do sol.




Nossa primeira carona de volta e o motorista que saiu de sua rota por nós


Não muito tempo depois, um cara que havia passado por nós voltou e nos ofereceu uma carona até algum lugar mais à frente onde talvez seria mais rápido pra conseguirmos uma carona. Fiquei meio com receio de ele nos deixar em algum lugar onde não houvesse sombra, mas Ana sugeriu que fossemos já que um tempinho já havia passado e ninguém tinha nos dado uma carona ainda. Fomos.

O cara acabou dirigindo uns quilômetros a mais do quê ele pretendia dirigir.

- Aquela casa ali é onde eu moro - apontou-. Mas vou levar vocês mais pra frente onde já vi gente pedindo carona.

E assim ele nos levou até a BR, e nos deixou debaixo de uma árvore que por sorte havia lá. Do outro lado da rodovia líamos a placa apontando Vitória e Salvador.

- Ana, que tal se a gente pede uma carona do lado de lá e segue com o motorista pra qualquer dessas duas cidades? - perguntei

Ana curtiu a ideia, mas por causa da nossa falta de preparação preferiu voltar pra casa em vez de aumentarmos ainda mais nossa distância pra voltar depois. Eu acho que não seguirmos minha ideia foi de fato uma boa opção, já que não possuíamos protetor solar nem água, e eu já estava com bastante sede havia um tempo.

Rapidinho um caminhão que vinha numa velocidade um pouco alta parou lá na frente.

- Uhu!! - começamos a correr até ele

Nossa segunda carona: o caminhoneiro que nos levou de volta a Ipatinga


A placa dizia "Itajaí - SC", o motorista tinha bastante cara e sotaque sulista. Ao entrarmos no caminhão, ele pediu desculpas por haver parado longe e ligou o sistema de ventilação interna da boléia pra nos refrescar. Em seguida, ele pergunta quais eram nossos nomes olhando pra Ana. Ana então se apresentou. Eu fiquei em silêncio pra ver se ele demonstraria interesse em me conhecer, ou se era daqueles que dão carona por causa da garota que está comigo e ficam focados apenas nela o tempo todo. Ele então olhou pra mim e repetiu a pergunta. Agora vendo que saber meu nome também era do interesse dele, me apresentei.

Fiquei surpreso com todos aqueles gestos educados. Primeiro o cara pede desculpa por haver parado o caminhão longe (como se a gente fosse se importar) e liga a ventilação pra nossa comodidade. Em seguida, ele pede pra nos conhecer - e conhecer aos dois, não apenas à garota bonita de shorts curtos pra quem ele tinha acabado de dar carona.

Quilômetros foram passando, e conversamos bastante. O caminhoneiro sulista tem filhos e esposa, e trabalha como caminhoneiro desde a adolescência. Parou de estudar no segundo ano do ensino médio. Nada até o momento fazia muito sentido. Até que ele começou a nos mostrar os livros que possuía dentro da boléia, e disse que é um grande fã de leitura. Sempre que para para descansar nas suas longas viagens levando coisas pelo país, ele lê um pouco e dorme. Adora filosofia e ciência, embora também lê outros tipos de livros. Uma prova daquelas mais lindas de que educação nem sempre vem de 15 anos de nossas vidas indo à escolas.

Sérgio, o caminhoneiro sulista, nos deixou no local apontado por Ana como melhor pra gente poder pegar um ônibus da BR até o bairro da Ana.

A parte mais difícil começa: chegar de um bairro a outro utilizando transporte público


Aproximadamente 1h30min passaram ficando com mais sede e fome do que já estávamos enquanto esperávamos por algum ônibus que nos levasse ao bairro da Ana. Minha paciência foi ficando cada vez menor, e eu ficava cada vez mais estressado com aquela espera. Era domingo, e pra mim a ideia da Ana de que havia ônibus dali até seu bairro aos domingos estava provavelmente equivocada.

Decidi que minha paciência havia esgotado, comecei a pedir carona e se um próximo ônibus viésse nós subiríamos nele. Minha ideia era sair dali, e seja lá onde a gente fosse chegar com uma carona ou um próximo ônibus, provavelmente haveria algum ônibus que realmente passa aos domingos e nos levaria até próximo da casa da Ana.

Rapidinho veio um ônibus, e fomos nele. Descemos desse ônibus e saímos caminhando. Caminhamos bastante, eu estava percebendo que era óbvio o meu estado de exaustão. Pra mim qualquer coisa era melhor do quê ficar parado num ponto acreditando que um ônibus passará quando até hora já passou mas o tal ônibus não. Uma falta de respeito das administraçōes públicas com a população, eu penso. Por isso acho que sempre é melhor nos movermos de maneira independente (seja a pé, de bicicleta ou de carona) do quê nos expormos a esse tipo de situação e descaso.

Havíamos acabado de fazer uma viagem indo e vindo pedindo carona entre uma cidade e outra, sem muito stress. Pra chegarmos aqui e esgotarmos nossas energias por causa de transportes públicos (ou a falta deles).

Em algum momento da nossa caminhada, resolvemos comer um salgadinho e tomar um suco pra matar a sede. Eu já estava economizando minhas palavras enquanto caminhava com Ana. Ela fazia algum comentário, alguma piada, tentava falar de algum assunto, e eu sempre dava respostas curtas sem muitas forças físicas nem psicológicas pra dar continuidade à conversa.

A chegada em casa: Leo, você aparenta ter caminhado por um deserto!


Chegamos em casa. No caminho até aqui, a gente chegou a parar em outro ponto de ônibus acreditando que por estarmos dentro da cidade, num bairro movimentado, havia um ônibus logo até a casa da Ana. Minutos foram passando, mas cada minuto era sentido como muitos minutos, e desistimos. Seguimos à pé mesmo.

Chegamos na casa da Ana e o primeiro comentário de sua irmã logo ao me ver:

- Nossa! Parece que você estava caminhando num deserto!

Dias depois eu percebi que naquele domingo, além da fome, sede e tempo de espera pelo ônibus, eu estava aparentemente tendo meus primeiros sintomas de dengue. Por sorte uma dengue leve que me trouxe um nível baixo de febre, dores pelo corpo e cansaço. Uma dengue que eu talvez tenha pego no passeio por aquele parque de GV. Uma dengue que teria me dado muito mais dor de cabeça se eu tivesse insistido e convencido a Ana de que devêssemos ter seguido a BR no outro sentido.

O pedido final da Ana


Enquanto esperávamos o ônibus que nos rendeu a experiência mais desgastante do final de semana, Ana me fez um pedido:
"A próxima vez que eu for sair com você de novo só pra dar uma voltinha pela cidade, me lembre de colocar umas roupas extra na minha mochila, só por garantia."

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